O 'CARONINHA'


Cidão, caminhoneiro, e como tal tem muitas histórias para contar. Já há um bom tempo fora de casa, tantos fatos, relatos e personagens estrada afora...! E foi em uma dessas tantas rodagens que aconteceu algo que jamais esse carreteiro se esqueceria. Já era de madrugada quando Cidão já bem cansado acabava por errar o caminho indo parar numa cidadezinha que ele nunca esteve antes. Ninguém para pedir informação... cerração, brumas e matagal cercavam todos os flancos daquela estrada deserta e 'perdida', até que o mesmo se depara com um jovem sozinho pedindo carona. Cidão como aquele caminhoneiro boa praça que era se compadece do garoto e resolve parar. O tal garoto é convidado a entrar na boleia, os dois se cumprimentam e Cidão 'toca a viagem' em seguida. O carreteiro tenta conversar com o jovem, e ao ver que o mesmo estava de branco, pergunta se ele era 'estudante de medicina' ou 'enfermeiro', mas o jovem que parecia não querer muito assunto, lhe responde com um tímido 'não'. Este seguiu a viagem um tanto calado, e sua fala meio rouca, deu a entender a Cidão que era por timidez ou pelo 'sereno' daquela madrugada ter prejudicado a garganta dele. O garoto também não disse ao certo para onde iria, só pediu para que Cidão seguisse em frente, outro fato que também intrigou o caminhoneiro. Cidão já não aguentava mais aquele silêncio. Tentou ligar o rádio, mas o aparelho assim como o seu GPS também não funcionava. E então, Cidão ainda insistiu em puxar algum assunto com o jovem, escolhendo o futebol como tema. - E então, filho...o que cê achou do jogão de anteontem...?! E o garoto ainda tímido lhe responde:  - Eu gostei, Senhor...mas o Zico e o Sócrates deram muita bobeira naqueles pênaltis, não foi...?! Cidão prontamente se espanta. - Zico, Sócrates...que isso, meu filho...tá tudo bem...?! -Cê tá falando da seleção de 86, e acho que você não tem idade pra isso...que brincadeira é essa...?! - Nessas estradas a gente encontra cada um...kkk! Cidão termina balançando a cabeça(negativamente) dizendo para si mesmo enquanto esfrega levemente o cabelo do jovem. O silêncio daquele rapaz que além de qualquer mala, nem mesmo celular trazia consigo, não só intrigava e incomodava um pouco Cidão, mas também dava impressão ao mesmo de que 'não tinha ninguém ao seu lado', e isso já até assustava o carreteiro. E pouco depois, Cidão mexe novamente no rádio que finalmente funciona. Ele se alegra e se vira para o jovem:  -Você ainda não me disse seu nome, rapazinh... Cidão tenta lhe perguntar, mas quando o faz, se espanta ao ver que este já não estava mais ao seu lado. Estranha e inacreditavelmente, 'sumiu', para o espanto e também desespero de Cidão que freia bruscamente a carreta, onde em seguida sai do veículo para procurar alguma explicação lógica que fosse para aquilo. E ali sozinho naquela madrugada e ainda naquela cidade estranha, ele se dá conta de que estava próximo a um cemitério. E quando a 'ficha cai' para a ideia de que aquele garoto na verdade se tratava de 'uma assombração', o mesmo se benze e ainda mais desesperado sai acelerado dali retomando o volante em orações. Dias depois ele conta a história para os amigos dos quais muitos não acreditam e até zombam do mesmo lhe dizendo que este estava sob efeito de alguma 'pinga da braba' ou mesmo de 'rebite'. Mas algum tempo depois ao conhecer um outro carreteiro numa parada próxima àqueles caminhos, conversando com outro caminhoneiro, este lhe fala sobre a lenda de um tal 'caroninha' que se tratava da alma de um jovem que morrera atropelado naquela região há cerca de 'uns trinta e tantos anos atrás' e que pedia carona para os caminhoneiros ou quem quer que fosse, para que estes os deixasse naquele cemitério onde sua alma ainda vagava. Cidão que quase se engasga com o café com leite que tomava, se espanta com a confirmação de sua história naquele relato e decide nunca mais passar por aquele lugar de novo.

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