AS PESCAS NOTURNAS DE MEU TIO


Quando eu era criança e costumava viajar para o interior e passar temporadas na roça onde minha saudosa avó vivia. Apesar da pobreza e dificuldades do lugar que nem mesmo energia elétrica possuía, eu adorava por demais todo aquele aspecto bucólico e pastoril daquela cidadezinha! Adorava tudo menos aquelas pavorosas histórias ou como eles mesmo chamavam, 'causos' de lobisomem. Imaginem o que é ouvir histórias como essa em um lugar apesar de pacato e hospitaleiro, também ermo ou um tanto isolado como aquele! E quando essas histórias eram contados por meu tio Barnabé, um exímio contador de causos com aquele chapéu de palha, fumo de rolo e aquelas um tanto desagradáveis, porém normais para eles, cuspidas pro lado que dava naquele terreiro... o terror era ainda maior! Só viviam, ele e minha avó naquela casinha de pau-a-pique. Ele me deixava borrado de medo com a convicção com que narrava aqueles causos! Parecia mesmo verdade! E no fundo no fundo ao notar uma certa expressão de sarcasmo tanto nele quanto na minha avózinha enquanto me viam tremer, eu também sabia que ele não acreditava muito no que contava. E  sua descrença ou coragem eram tamanhas, que toda a note de sexta-feira, fosse a mesma de lua ou não, o mesmo pegava sua vara de pescar, sua cachacinha e rumava para o ribeirão onde algumas vezes até 'passava a noite' ou pescando ou na 'carraspana mesmo' em um barzinho também de taipa e que ficava às margens daquele rio. E naquela sexta-feira de uma linda noite de lua cheia, durante a Quaresma, eu estava lá com eles sozinho já que meus pais a trabalho não puderam ficar muito tempo por lá. Já nos recolhíamos, eu e minha avó no único quarto da casa. Meu tio, adivinhem, foi pescar mais uma vez! E minha avó sabendo que  ele poderia voltar altas horas da noite ou da madrugada 'muito doidão', deixa a porta encostada e a comida pronta no fogão de lenha caso ele tenha fome. E depois de rezar e 'pedir benção' a mina avó, naquela esteira ao lado de sua cama, eu rolava para um lado, rolava para o outro, mas nada de relaxar já que me lembrava daqueles terríveis causos de meu tio e de que também diziam que era naquela época(Quaresma) que aumentavam as notícias sobre a aparição do famigerado licantropo. Minha avó vendo o meu pavor tentava me confortar dizendo que tinha muita fé em sua santinha e que aquelas histórias do meu tio, na maioria eram 'invenções do povo'. Ouvindo tudo isso, até que relaxei um pouco. Porém, perto do que poderia ser 'umas três da madrugada', barulhos de panelas caindo na cozinha e de um certo alvoroço da cachorrada que parecia assustada com alguma coisa, logo me despertam. Imaginei que fosse meu tio, muito bêbado, chegando e tropeçando nas coisas, mas quando olho para a minha avó, sentada em sua cama', a mesma parecia 'em transe' em suas orações e com aquele terço na mão. Aquilo me assustou e enquanto isso mais coisas caíam na cozinha, de onde eu também ouvia uns estranhos grunhidos e também pude avistar um imenso vulto negro se movendo. Aquilo era bem maior que meu tio que era 'quase mais baixo do que eu'...! E seja lá o que fosse, com minha cabeça meio coberta de tanto medo, pude ver que este estava seguindo para o nosso quarto. Mas estranhamente recuou. Eu, claro, desmaiei de medo! Na manhã seguinte acordei com minha avó e meu tio que naquela noite não havia voltado para casa, parecendo falar sobre algo, mas ao notarem minha aproximação, logo disfarçaram para não me assustar, presumi. Alguma 'coisa' invadiu a casa da minha avó aquela noite! Eu tentava inutilmente querer saber, mas eles desconversavam. Toda a comida da casa foi devorada, uma estranha pelugem negra pude notar agarrada em uma das lenhas do fogão...algum 'bicho muito grande' havia entrado ali! Eles disseram que foi algum 'porco do mato', mas aquelas pegadas estranhíssimas naquele chão de terra que a cozinha possuía apontavam para algo bem maior e desconhecido. Depois desse dia, 'coincidentemente', meu tio aceitou a proposta de um fazendeiro vizinho para se tornar agregado do mesmo e se mudar para lá junto com a minha avó. Essa notícia pegou de surpresa a todos da nossa família, mas eu sabia...um lobisomem esteve ali! E ele estava seguindo para o quarto e talvez as orações de minha avózinha o fez recuar. Eu tive a chance ou a terrível chance de viver e protagonizar um daqueles pavorosos contos do meu tio.

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